Moradora da Fazenda Lopes, em Conceição do Almeida, município vizinho a Cruz das Almas e distante a 160 km da capital baiana, a lavradora Natalie Alves, 49 anos, penou durante anos para manter as panelas limpas e economizar o orçamento doméstico com gás de cozinha. “Era uma agonia…ficava tudo com cheiro de fumaça, inclusive a gente, que precisava colocar o fogo nos fundos da casa e gastava muita lenha. Hoje, uso para fazer feijão, carne e a vida fica um tantinho mais fácil”, completa.
Natalie é uma entre as muitas beneficiárias de uma iniciativa que, desde o ano passado, vem mudando a vida de famílias do Recôncavo baiano com o projeto Fogões Eficientes. Entre o final de 2018 e o início desse ano, três mil fogões à lenha foram entregues às famílias baianas, substituindo uma prática cultural de construir fogareiros para cozinhar a alimentação. A perspectiva é que até o final de 2019, mais 500 unidades sejam disponibilizadas.
O projeto Fogões Eficientes – realizada pela Natura Carbono Menos em parceria com o Instituto Perene – além de emprestar qualidade de vida para as comunidades locais, que passam a ter na tarefa cotidiana de cozinhar algo mais simples e prático, possibilita que as famílias extraiam menos madeira de áreas nativas, evitando que a degradação ambiental ocorra em larga escala. Sem fogareiros, a geração de fumaça proveniente da queima também para de criar impactos para a saúde, especialmente de mulheres e crianças.
Com os novos equipamentos, a economia de tempo que seria gasto na coleta de lenha chega a 18 horas semanais. Em dez anos de uso dos fogões ecoeficientes, 232 mil toneladas de gases do efeito estufa deixaram de ser emitidas na atmosfera. Para se ter ideia da importância dessa iniciativa, basta lembrar que, no Brasil, estima-se que 3 milhões de domicílios dependem de lenha para cozinhar. No mundo, todos os anos, 4 milhões morrem em decorrência dos problemas de saúde gerados com uso desses fogareiros rudimentares.
Mais do que se imagina
De acordo com o engenheiro florestal e um dos fundadores do instituto Perene, Guilherme Prado Valadares, 90% da população dessas localidades possuem fogão a gás, mas a renda impossibilita que essas pessoas possam fazer uso dessa comodidade. “Ao contrário do que se possa imaginar, essa é uma realidade muito comum, em localidades muito próximas à Salvador, onde a falta de renda é o principal entrave para a qualidade de vida. Muitos preferem pagar o celular que comprar gás, uma vez que a lenha é de graça”, completa o engenheiro, destacando que num espaço de dez anos houve um empobrecimento da população e muitos voltaram a usar a técnica da lenha como alternativa ao fogão a gás.
Guilherme faz questão de ressaltar que toda iniciativa e a seleção dos beneficiários se pautam em critérios técnicos, fugindo de uma cultura de apadrinhamentos políticos comum em algumas cidades. “Não fazemos assistencialismo. A proposta é beneficiar a comunidade e engajar as famílias”, completa o engenheiro.
Ele salienta que nas cidades onde a instalação coincidiria com campanhas eleitorais, o processo foi suspenso para retomar após o período, justamente para que a iniciativa não fosse associada a nenhum candidato ou gestão pública.
Para o engenheiro, o sucesso da iniciativa reside na tecnologia usada, que possibilita reter e direcionar o calor na mais alta temperatura, usar pouca lenha, com galhos que não precisam ser os mais grossos e tornar a combustão mais eficiente.
“Para que houvesse uma maior adesão e para engajar as famílias, trabalhamos muito a sensibilização e a formação para o uso do equipamento, no entanto, o equipamento possui um uso muito intuitivo que permite que qualquer pessoa possa fazer uso com eficiência e segurança”, completa, ressaltando que o fogão também tem auxiliado às pessoas que vivem em comunidades afastadas e que terminam se vendo sós ou pelo avançar da idade ou por problemas de saúde mental.
Guilherme Prado Valadares despertou para a questão do fogão eficiente quando trabalhava como consultor num projeto que buscava fazer o resgate do chamado carbono florestal, no início dos anos 2000.
“Na época, era frustrante ver que havia muito o que ser feito, mas faltava investimento para fazer”, diz. Em 2006, o engenheiro foi convidado por uma organização não governamental britânica para a implantação de projetos de fogões eficientes na América Central. “Na época, infelizmente, ainda não possuíamos uma metodologia para calcular o impacto dessa tecnologia para o meio ambiente”, recorda.
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