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Projeto resgata história da internet na Bahia

Quando eles chegaram, era tudo mato. E não como agora uns e outros dizem, entre o orgulho e o gracejo, de terem entrado no começo do Twitter, ou de terem passado madrugadas nas antigas salas de bate-papo. Estamos falando de um tempo em que não havia redes sociais. Um tempo sem internet.

Na última sexta-feira de novembro, alguns dos protagonistas desta história no estado reuniram-se no auditório da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia para lançar o projeto Memória da Internet na Bahia, criado para recuperar as construções coletivas iniciadas há quase 30 anos e que nos trouxeram até aqui. Hoje, quando você estiver dando uma espiadinha no WhatsApp, ou fazendo uma pesquisa muito sofisticada numa instituição gringa, não custa nada agradecer (#gratidão) ao pessoal presente ali. 

O principal articulador deste processo foi o engenheiro de computação Tadao Takahashi, que fundou a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Em entrevista ao A TARDE, conta que em novembro de 1991 eles realizaram, no Rio de Janeiro, um seminário internacional, com representantes da Nasa e da Unesco, que marcou o lançamento da internet acadêmica na América Latina. 

Antes disso, Tadao já viajava o país para articular a implantação da internet nos Estados. Dez deles foram escolhidos para sediar os chamados Pontos de Presença, incluindo a Bahia. As estruturas eram montadas nas universidades, que também ficavam responsáveis por estabelecer parcerias com o poder público e disseminar a rede para além das academias.

Num vídeo gravado para o Memórias da Internet, Tadao conta que aqui foi o estado onde a RNP injetou “mais ânimo e ambição emocional”. “Os baianos têm um protótipo de civilização do futuro. Um caldo de cultura, de participação pouco estruturada, mas entusiasmada, que no fundo, no fundo, faz parte do caldo de cultura da internet”.

“Hiato de credulidade”

Não pense que foi fácil a tarefa de “vender o peixe” da internet, até então uma reles desconhecida, com pouquíssimos seguidores. Tadao Takahashi conta que havia um “hiato de credulidade por parte de lideranças acadêmicas, políticas e empresariais”. Era, no entanto, a  “ação correta a fazer”. “Talvez uma analogia dos tempos presentes seja o combate à mudança do clima – não importa o que você acredite, terá de ser feito”.

Na Bahia, a responsável por disseminar a palavra da internet foi a analista de tecnologia da informação Claudete Alves. Ela mesma, no começo, não sabia que “coisa” isso era. Foi convidada por um colega  da Ufba, Aloísio Reis, que entendia de como montar a rede, mas  que não tinha vocação para sair por aí evangelizando. Coube a Claudete “demonstrar para os professores que existia aquele bicho”, ri. 

Ela lembra de ter feito, num único ano, mais de 100 palestras. No começo, tudo que tinha para apresentar eram as listas de discussões nas quais os pesquisadores poderiam dialogar com seus pares do mundo inteiro. Para isso, era preciso convencê-los a fazer um simples e-mail. Nesta época, naquele mato, só tinha texto. 

Num desses encontros, Claudete reuniu 30 pessoas no Instituto de Ciências da Saúde (ICS).  Configurou o modem, botou o telefone fixo para ligar para o antigo Centro de Processamento de Dados da Ufba e fez o acesso, com projeção pelo Data Show. Para impressionar os presentes, pesquisou na biblioteca da Universidade de São Paulo (USP) o livro de um dos médicos que estavam ali. 

Conta que demorou um pouquinho, “uns cinco minutos”, até vir o resultado. Mas eles não acreditaram, não. Acharam que Claudete tinha armado aquilo. “Aí eu sabiamente resolvi pedir para eles dizerem os nomes de outros autores. Fiz a pesquisa, e o resultado veio. No terceiro, já estava um rebuliço na sala. Todo mundo dizendo: ‘Ah, isso é muito bom!’”.

Rede Bahia

Entre as notícias de que o governo rompia negociações com petroleiros e que a moda francesa redescobria a Rússia, a capa da edição do dia 23 de novembro de 1994 do A TARDE anunciava, no pé da página: “Bahia se liga à rede mundial de informática”. 

A notícia tratava da assinatura de um protocolo de cooperação técnica para a criação do comitê gestor da Rede Bahia, firmado entre a Ufba, o governo do estado, a prefeitura de Salvador, a Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) e a Telebahia, entre outros órgãos.  

Os baianos poderiam, enfim, se unir aos “três milhões de computadores interligados em 137 países”, como dizia a nota. Hoje, há mais de quatro bilhões de pessoas conectadas – ou mais da metade da população mundial.  

O percurso até a assinatura do protocolo foi tumultuado. Tadao lembra que o estado tinha um “governador forte e respeitado, que havia crescido no bojo do regime militar”, enquanto a Ufba “era liderada por uma pessoa contrária ao carlismo”. “As condições estavam postas para a politização do tema da internet”. 

O comitê gestor era coordenado pelo educador Nelson Pretto, que idealizou o Memórias da Internet (disponível em memoriainternetbahia.ufba.br) e que na época era assessor especial do reitor Felippe Serpa. 

A ideia da Rede Bahia – que acabou, por falta de registro, perdendo o nome para a afiliada da Globo – era montar uma rede verdadeiramente estadual, como conta Nelson. “A gente lutou muito, mas até hoje nós não temos um plano de banda larga decente no estado. Viajo pelas universidades no interior e é uma tristeza, ainda. O Ceará, por exemplo, conseguiu fazer. Tem uma rede de fibra óptica impressionante, desde aquela época”.

O processo de interiorização da internet na Bahia acabou acontecendo mais por conta da iniciativa privada, por meio dos provedores – que “capitalizaram a rede de fato”, como diz Claudete – do que por ações do Estado.   

A Ufba também teve um papel central nesta etapa de implantação. “A gente passou a ter a tarefa de ensinar o mercado a fazer internet. Chamava o povo que tinha interesse de formar provedores e entregava kits, uns manuais feitos pela RNP, além de fazer os treinamentos”, lembra ela.  

A ajudinha também foi providencial para a Telebahia. A universidade emprestou três roteadores  e treinou um funcionário da antiga operadora de telefonia, que acabou se tornando uma das pioneiras no Brasil a oferecer internet aos consumidores. 

E essa história passa, espie só, por um avô do Tinder. Nelson conta que havia um imbróglio de como a internet seria regulamentada no Brasil. “A Embratel, a toda poderosa do sistema Telebrás, não queria deixar as operadoras venderem a conexão para o usuário final”. 

Por aqui, a Telebahia oferecia um serviço, o  VTX, que era uma espécie de teletexto. Você ligava para a pessoa e deixava um recado. As pessoas usavam, na prática, para paquerar. Lá pelas tantas, a operadora resolveu perguntar se os usuários gostariam de se cadastrar para acessar uma tal de internet. 

“Quando a Telebrás emitiu um comunicado proibindo as teles de oferecerem internet, a Telebahia argumentou que eles já estavam fazendo isso, porque já tinham um cadastro com 200, 300 pessoas”, diz Nelson. À frente dessas iniciativas na empresa estava o engenheiro eletricista Luiz Roberto Szabo, que faleceu em junho.  

Marcos e desafios

Com uma interface gráfica mais amigável, buscadores e o avanço das tecnologias, a internet foi se popularizando. Para Luiz Cláudio Mendonça, esses são os três grandes marcos que explicam o alcance avassalador da rede. 

Luiz integrou a primeira equipe de implantação da internet na Ufba e hoje dirige a Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) da universidade. “No começo, a gente tinha um acesso discado de 2.400 bits por segundo. Hoje, em casa, as pessoas têm 10 mega. Aqui, nós já temos conexão de 100 gigabits”. É 41 milhões de vezes mais rápido. 

O prédio da STI, em Ondina, também abriga, desde 2005, a Remessa, Rede Metropolitana de Salvador, que oferece internet de alta velocidade a 38 instituições de ensino, de saúde e do governo.

A rede tem 300 km de fibra óptica espalhados por Salvador. Volta e meia, uma delas é danificada por um carro que bate num poste ou até mesmo  por tiros – para provar que está falando a verdade, Claudete, que coordena a Remessa, exibe a foto no celular. A sorte é que a rede tem redundância. “A gente consegue oferecer a melhor qualidade, com o menor custo”. 

Em muitos lugares do país, a inclusão digital ainda é um desafio, diz Tadao. Mas, ao olhar para o futuro, ele acredita que a grande questão não é tecnológica, mas regulatória. “A internet atual já não é totalmente benigna. Ao contrário, é a base para ‘trolagem’ desenfreada, espionagem no mais alto nível, manipulações políticas escusas e exploração comercial do pior tipo. O que fazer? É a questão que nos afeta a todos no mundo atual”.  Fonte: A Tarde

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