A maior parte do desmatamento no estado de Mato Grosso (MT) é ilegal, segundo estudo feito pela ONG ICV (Instituto Centro de Vida) com base nos dados anuais de desmatamento recentemente divulgados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
No estado, 85% do corte de árvores entre agosto de 2018 e julho 2019 não tinha autorização. O Mato Grosso é o segundo estado que mais desmatou a Amazônia no período depois do Pará.
Para fazer a análise, o ICV cruzou os dados de desmatamentos autorizados no estado de Mato Grosso, as imagens de satélite usadas no Prodes (Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite) e os dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural). Todo proprietário é obrigado a cadastrar o seu imóvel rural no sistema.
As informações do Prodes mostram que a destruição no bioma no período cresceu 29,5% em relação aos períodos anteriores (agosto de 2017 e julho de 2018). O aumento —o maior desde 1998— garantiu o recorde de desmate na década, com 9.762 km² destruídos.
Os dados analisados pelo ICV também mostram que mais da metade (56%) do desmatamento ocorreu em áreas cadastradas no CAR. Segundo Alice Thuault, diretora adjunta do ICV, isso mostra que os proprietários apostam na falta de punição. “As pessoas estão desmatando sabendo que o estado tem o CPF delas e, mesmo assim, apostam que eles vão em algum momento se beneficiar de algum cenário político, de uma possível anistia”, diz.
Ambientalistas e pesquisadores costumam associar a falta de punição a aumentos no desmatamento. Um exemplo costumeiramente citado é a anistia a desmatadores concedida pelo Código Florestal de 2012. O tema foi bastante contestado e chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal), que, em 2018, considerou constitucional a anistia a quem desmatou antes de 2008. Segundo a ONG Imazon, o perdão equivale a 41 milhões de hectares desmatados, área maior do que o dobro do estado do Paraná.
Chama a atenção também que a maior parte (55%) dos desmatamentos em imóveis no CAR estão em grandes propriedades, com mais 1.500 hectares, seguidas pelas médias (28%). O estudo mostrou que os maiores desmatamentos estão concentrados nas grandes propriedades.
Em geral, desmates com mais de 50 hectares correspondem a 66% das áreas destruídas, e os com mais de 200 hectares são 34%. Nos imóveis privados, 82% dos desmates são superiores a 50 hectares.
Tais desmatamentos de maiores proporções podem ser facilmente detectados pelos satélites de monitoramento. O Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real), que é usado para ajudar no direcionamento de ações do Ibama, detecta desmates acima dos 3 hectares.
A concentração em imóveis rurais maiores e o tipo de desmatamento, segundo Thuault, mostram o potencial econômico dos que destroem a Amazônia, considerando-se que a própria derrubada requer gastos elevados.
Além disso, os dados da análise do ICV vão de encontro ao discurso adotado por membros do governo Jair Bolsonaro.
O ministro Ricardo Salles (Ambiente), quando confrontado com os dados do desmatamento, costuma associar a ilegalidade a pequenos proprietários e à falta de oportunidades na região.
“É necessário ter uma estratégia que perdure, que faça com que o desmatamento ilegal venha diminuindo ano a ano e, por outro lado, dê essa opção para as pessoas terem fontes de sobrevivência. A pessoa passe a ter emprego, renda”, disse Salles em entrevista à Folha e ao UOL. “Oportunidade de emprego, de renda. Se você não dá alternativa econômica para essas pessoas trabalharem, elas serão facilmente cooptadas por atividades ilegais.”
O presidente Bolsonaro também chegou a afirmar que a destruição não pode ser contida porque o desmatamento é uma questão cultural, o que foi reafirmado por Salles.
“Há uma questão cultural relativa a abertura de áreas para o plantio. Faz parte da dinâmica da produção no Norte do Brasil, até porque tem baixa tecnologia de produção agrícola.”
A análise do ICV mostra que o 74% do desmatamento ilegal se concentrou em 1.065 imóveis do estado de Mato Grosso, pouco mais de 1% das propriedades cadastradas.
Salles e Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários, também chegaram a citar indígenas ao tentar explicar o desmatamento. Os dados do Prodes para a Amazônia matogrossense mostram que somente 1,1% do desmate no estado ocorre em terras indígenas.
A análise do desmatamento ilegal pela ONG só é passível de ser feita, até o momento, em Mato Grosso. O estado disponibiliza dados abertos e georreferenciados em relação a imóveis registrados no CAR e autorizações de desmatamento.
Outro lado
Procurado pela Folha, a Sema-MT (Secretaria de estado de Meio Ambiente) não havia respondido os questionamentos enviados até a publicação desta reportagem. Enviou, porém, dois links para notas publicadas no site do estado.
Uma delas, sem citar diretamente o aumento do desmate no estado atestado pelos dados mais recentes do Inpe, afirma que taxa de destruição está controlada e que o MT não atingiu os 1.788 km² de destruição —taxa que faria com que financiamentos internacionais para o estado fossem interrompidos. O desmatamento em MT alcançou 1.685 km².
A outra nota fala sobre atividades de representantes do estado na COP-25 (Conferência do Clima da ONU), que teriam defendido “a inclusão social e melhoria de qualidade de vida da população que vive na Região Amazônica”
*BNews.