Com resultado previsível desde o início do processo, o impeachment de Donald Trump chega ao plenário da Câmara dos EUA como mais uma disputa entre partidos que pouco estimula o eleitorado do país.
De maioria democrata, a Câmara deve aprovar nesta quarta (18) o impeachment de um presidente pela terceira vez na história. O fato, porém, ainda não será suficiente para tirar Trump da Casa Branca.
Ao contrário do Brasil, onde o afastamento do chefe de governo acontece imediatamente após a chancela dos deputados, o presidente dos EUA só deixa o cargo após o aval do Senado, hoje comandado por maioria republicana.
Na véspera da votação prevista pela Câmara, Trump decidiu escalar mais um degrau dessa batalha política e enviou uma carta à presidente da Casa, a democrata Nancy Pelosi.
No texto de seis páginas, o republicano disse estar fazendo “o mais forte e poderoso protesto” contra o próprio impeachment, classificado por ele de “cruzada partidária” liderada pela oposição.
Segundo Trump, o esforço para removê-lo do cargo é “inconstitucional” e “uma tentativa de golpe” que irá assombrar os democratas nas eleições do ano que vem.
Apesar dos ânimos agitados na cúpula do poder americano, pesquisas mostram que a população caminha para o lado oposto e está cada vez mais desanimada em relação ao impeachment.
O pico de entusiasmo foi em setembro, quando foram divulgadas as primeiras informações sobre o telefonema entre Trump e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, mas o interesse público tem despencado a cada semana.
Analistas afirmam que o impeachment acabou se tornando mais um elemento de polarização em um país já bastante dividido politicamente e, portanto, o processo não deve ter grandes implicações no voto dos eleitores em 2020.
Nesta quarta-feira, está prevista na Câmara a votação de duas acusações contra o republicano: abuso de poder e obstrução do Congresso.
Os democratas sustentam que o presidente americano cometeu os crimes ao pressionar a Ucrânia a investigar Joe Biden, seu adversário político, e atuar para atrapalhar as investigações depois que o episódio fora descoberto.
A oposição precisa de 218 votos, ou seja, maioria simples dos 435 deputados da Casa (se todos estiverem em plenário) para aprovar o impeachment de Trump.
Atualmente são 235 democratas na Câmara e são esperadas de quatro a dez defecções, segundo o jornal The Washington Post.
Caso seja aprovado nesta quarta, o processo de impeachment segue para apreciação do Senado no início de janeiro, em sessões comandadas pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts.
Ali, os democratas sabem que o cenário será bem diferente. Isso porque são necessários 2/3 dos votos do senadores para remover o presidente do cargo, e os republicanos contam com maioria da Casa, 53 de 100 deles.
Até lá, a oposição pretende reforçar a narrativa de que Trump não tem mais condições de liderar o país. O discurso, no entanto, tem sido acatado pelos já convertidos, sem mobilizar eleitores independentes, por exemplo.
Em estados do Cinturão da Ferrugem, região industrial de tradição democrata que mudou de lado e deu a vitória a Trump em 2016, o impeachment é tratado com desdém.
Os republicanos o veem como bobagem, enquanto os democratas não acham que o Senado vai chancelar o resultado da Câmara. Por fim, os independentes dizem que não vão usar o processo como definidor de seus votos.
As pesquisas mais recentes mostram a população divida quanto ao impeachment: cerca de 47% querem que Trump seja removido do cargo, enquanto 46% são contra o afastamento do presidente.
Mas as eleições nos EUA não se baseiam no voto popular e sim no sistema indireto de Colégio Eleitoral.
Justamente com o temor de ver o impeachment parar no Senado e ter que lidar com o fracasso político às vésperas de 2020, a cúpula democrata resistiu por muito tempo em avançar com o processo. Nancy Pelosi, porém, precisou mudar de postura diante das informações de que Trump havia pressionado a Ucrânia a investigar Biden e o filho dele.
Em 24 de setembro, ela anunciou a abertura do inquérito contra o presidente. A partir daí o Comitê de Inteligência da Câmara conduziu interrogatórios sobre as acusações com diplomatas, funcionários de alto escalão do governo e especialistas.
No fim de novembro, as audiências se tornaram públicas, em uma estratégia da oposição para angariar apoio popular à tese de que Trump atuou de forma irregular quando pressionou a Ucrânia.
E as testemunhas não decepcionaram. Em depoimentos transmitidos ao vivo pela TV, confirmaram que o presidente havia condicionado ajuda militar de US$ 391 milhões ao país do leste europeu a apurações contra os Bidens.
A contrapartida é um dos pilares da oposição para mostrar o desvio de conduta e abuso de poder de Trump em suas relações com a Ucrânia.
Em seguida, foi a vez do Comitê Judiciário da Câmara iniciar seus trabalhos para deliberar se os atos do republicano se enquadravam nas definições do Artigo 2º da Constituição, que traça as regras para o impeachment. A Carta estabelece que o presidente “deve ser removido do cargo através do impeachment se condenado por traição, suborno e outros altos crimes.”
O deputado democrata Jerry Nadler, presidente do Comitê Judiciário e responsável por redigir as acusações contra Trump, chegou a convidar o republicano a depor, mas ele se negou a ir ao Congresso.
Após a elaboração dos dois artigos —ou acusações— de impeachment, o processo segue para o plenário da Câmara, etapa que deve ser concluída com a votação prevista para esta quarta.
Trump nega qualquer irregularidade em sua relação com a Ucrânia e diz que o telefonema com Zelenski foi um evento corriqueiro, sem contrapartidas. Em sua carta a Pelosi nesta terça, o presidente disse saber que suas palavras não mudariam o resultado que espera desta quarta, mas queria registrar sua posição para a história.
Nos bastidores, o presidente americanoatua para esticar ainda mais o processo —enquanto os democratas trabalham para acelerar seu andamento— já que o tempo corre contra a oposição.
Dois dos principais pré-candidatos, Bernie Sanders e Elizabeth Warren, são senadores e estarão comprometidos no julgamento do Senado em janeiro ao invés de se dedicarem à campanha nos estados.
Essa é a terceira vez na história americana que a Câmara aprova o impeachment de um presidente. Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, sofreram impeachment na Câmara, mas foram absolvidos pelo Senado.
Richard Nixon renunciou em 1974, ao perceber que perdia apoio entre seus próprios aliados e seria removido do comando dos EUA.
*BNews.