A Câmara dos Deputados incluiu na pauta de votações da tarde desta quarta-feira (24) a proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria novas regras para a imunidade parlamentar e a prisão de deputados e senadores. A proposta entrou na pauta do plenário mesmo sem ter passado por nenhuma comissão, o que não é comum.
O texto da PEC foi divulgado nesta terça-feira (23). Nesta quarta (24), alcançou 186 assinaturas de deputados e foi protocolado. O mínimo necessário eram 171 assinaturas.
Foi o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que anunciou que os deputados iriam mudar a Constituição para regulamentar o artigo 53, que trata da imunidade parlamentar e da prisão de deputados e senadores.
O anúncio foi feito na sexta-feira (19), na sessão em que a Câmara decidiu manter a prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ). O deputado foi preso em flagrante depois de divulgar um vídeo com ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Quatro dias depois, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) já estava com o texto pronto.
O que muda se a PEC for aprovada
As mudanças propostas impedem, na prática, que um parlamentar seja afastado do mandato, ou preso por ordem de um único ministro do STF. Silveira foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes e depois o plenário do tribunal, por unanimidade, confirmou a prisão.
Pela proposta, um membro do Congresso Nacional não poderá ser preso, a não ser em flagrante por crime inafiançável que esteja previsto na Constituição. De acordo com a justificativa do projeto, o “intuito é deixar claro que a prisão em flagrante de parlamentar pode se dar em somente uma hipótese: quando se tratar de crime que a própria Constituição defina como inafiançável”.
De acordo com a PEC, se um parlamentar for preso, fica sob os cuidados da Câmara ou do Senado.
No caso da prisão em flagrante, o deputado ou senador deverá ser encaminhado à respectiva casa legislativa logo após a lavratura do auto, permanecendo sob a custódia (da Câmara ou do Senado) até o pronunciamento definitivo do plenário.
Mantida a prisão, o juízo competente deverá promover, em até 24 horas, a audiência de custódia, oportunidade em que poderá relaxar a prisão, conceder a liberdade provisória ou, havendo requerimento do Ministério Público, converter a prisão em flagrante em preventiva ou aplicar medida cautelar diversa do afastamento da função pública.
De acordo com o texto da PEC, medida cautelar que afete o exercício do mandato e a função parlamentar somente terá efeito se confirmada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, pela proposta, não basta a decisão de um único ministro, como no caso do deputado Daniel Silveira, cuja prisão foi executada logo após decisão do ministro Alexandre de Moraes. Isso, em tese, pode dificultar a prisão.
Ao G1, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), autor da PEC, explicou que o texto da proposta prevê que o afastamento ou perda de mandato de um parlamentar só pode ser decidido em um processo disciplinar da Câmara.
“É vedado o afastamento judicial cautelar. Então, nem um juiz nem o Supremo Tribunal Federal nem ninguém do Poder Judiciário pode afastar um representante legítimo do povo das suas funções. Representante que foi escolhido pelo poder maior da nação, que é o povo, não pode ter o seu mandato afastado por uma decisão judicial”, disse.
Segundo ele, o Judiciário só pode aplicar outros tipos de medida cautelar. “O Poder Judiciário pode implementar ações cautelares alternativas à perda do mandato, à suspensão do mandato ou à prisão, como, por exemplo, proibir de contatar testemunha, proibir de usar rede social, proibir de frequentar de determinados ambientes, mas jamais afastar do mandato”, afirmou.
Sabino ressaltou que eventual medida que afete o mandato parlamentar só terá efeito se for confirmada pelo plenário do STF. “Toda e qualquer medida que afete o mandato parlamentar deve ser referendada pelo plenário do Supremo”, explicou.
Buscas e apreensões
O texto também trata de buscas e apreensões dentro do Congresso e nas casas dos parlamentares. Pela proposta:
- é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal a busca e apreensão deferida em desfavor de membro do Congresso Nacional, quando cumprida nas dependências das respectivas casas ou residências de parlamentares.
O texto também diz que a medida cautelar deferida em desfavor de membro do Congresso Nacional que afete, direta ou indiretamente, o exercício do mandato e as funções parlamentares:
- somente produzirá eficácia após a confirmação da medida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal
- não poderá ser deferida em regime de plantão forense.
Os elementos recolhidos, no caso de busca e apreensão, ficarão acautelados e não poderão ser analisados até a confirmação do plenário do STF, sob pena de crime de abuso de autoridade
Reservadamente, alguns líderes comentaram que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nesta terça-feira (23), que afastou a deputada Flordelis (PSD-RJ) do mandato acelerou o andamento da proposta. A deputada é acusada de ser a mandante do assassinato do marido.
Já está na Constituição que deputados e senadores só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.
A PEC propõe uma alteração: os crimes inafiançáveis que podem levar à prisão de parlamentares são apenas os que estão previstos na Constituição, entre os quais racismo, tráfico, formação de grupos armados e crimes hediondos, por exemplo.
No caso do deputado Daniel Silveira, a ordem de prisão teve como base a Lei de Segurança Nacional e o Código de Processo Penal. Não se tratou de crime inafiançável previsto na Constituição.
Repercussão
Alguns líderes criticam a pressa no andamento e no conteúdo da PEC. Avaliam que as mudanças protegem demais os parlamentares.
“A PEC que está em discussão hoje aqui na Câmara dos Deputados, a PEC para alterar o artigo 53 da Constituição, é corporativista. Ela dificulta a aplicação da lei da ficha limpa. Ela não permite que o deputado seja afastado em alguns casos sérios, como o caso da deputada Flordelis, que não seria afastada se o texto dessa PEC estivesse válido”, afirmou o deputado Vinícius Poit (Novo-SP), líder de seu partido na Câmara.
Em entrevista à jornalista Andreia Sadi, no programa Em Foco, da GloboNews, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) defendeu a PEC e disse claramente que é uma reação à decisão do Supremo de prender o deputado Daniel Silveira.
“Ela [a PEC] é uma reação à forma como o Supremo atuou na prisão do deputado Daniel Silveira. Nós não podemos ter presos no Brasil por crime de opinião. Não existe isso, nós não podemos ter. Quem é ofendido vai à Justiça e faz um processo de injúria, calúnia e difamação, danos morais, como todo cidadão brasileiro, quando ofendido, busca a sua, vamos dizer, o seu recurso, mas não da forma como aconteceu”, disse Barros.
“Eu respeito o Supremo Tribunal Federal, acho que eles agiram ali, num momento ali, numa forma ordenada, corporativa, mas, friamente falando, não tem fundamento para a prisão, como ela foi feita. Então, agora, nós, no parlamento, regulamentaremos de forma mais clara como isso deve acontecer, se houver a necessidade”, completou o líder do governo.
O professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense, Gustavo Sampaio, lembrou que, além da PEC, os deputados já têm prontos um projeto de lei e mudanças no regimento interno da Câmara, medidas voltadas para imunidade e prisão dos parlamentares. Ele entende que o Congresso está agindo para se proteger.
“Nós estamos num momento de tensão institucional, de um certo tensionamento da corda que une os três poderes. E, nessa relação de freios e contrapesos, nós estamos assistindo nitidamente a uma reação legislativa. O poder Legislativo agora está querendo proteger-se, estabelecendo medidas que impeçam que um parlamentar esteja ao sabor do que a decisão judicial determinar”, disse Sampaio.
Por Jornal Hoje e G1 — Brasília