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Estudante de Medicina da UFRB perde vaga por fraude nas cotas a 4 meses da formatura

O estudante de Medicina Jovelino Silva Barreto, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), quase conseguia seu tão sonhado diploma como médico. Mas os seis anos que ele passou no curso podem não servir de nada, já que o rapaz fraudou as cotas para negros e pessoas de baixa renda. Isso é o que ficou comprovado no processo administrativo instaurado para apurar a denúncia de irregularidade feita pelo movimento estudantil. 

“Com base nos fatos apurados, configurada a desobediência, decido pelo desligamento do discente Jovelino Silva Barreto do curso de Bacharelado em Medicina desta universidade”, disse o reitor Fábio Josué Souza em reunião extraordinária do Conselho Acadêmico (Conac), realizada na última sexta-feira (13). Os conselheiros homologaram a expulsão com 49 votos a favor, 17 abstenções e nenhum voto contrário. 

Jovelino entrou em Medicina em 2016, após ter se formado no Bacharelado Interdisciplinar em Saúde (BIS), que permite a realização de uma outra graduação. Na migração dos cursos, ele optou pela aprovação no sistema de cotas para negros (pretos ou pardos), cuja renda familiar bruta é igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. 

Os estudantes que fizeram a denúncia alegam que o rapaz não cumpria nenhum dos requisitos. Além de ser branco, ele tinha, no momento da inscrição, carro próprio e era funcionário da Prefeitura Municipal de Presidente Tancredo Neves, onde trabalhava na equipe de Vigilância Sanitária. ”Na época que entrou no curso, ele tinha emprego formal, um cargo comissionado na prefeitura”, disse Antonio Bastos, dirigente regional do movimento negro unificado e estudante do curso de gestão pública da UFRB.

“Fora o fato dele ser um homem branco. Ele não é preto ou pardo. É branco. E ao se declarar pardo, cometeu uma fraude. Ele fez estelionato, burlou dados”, afirma Bastos, que foi um dos que realizou denúncia contra o quase médico. Ele é apelidado por alguns na universidade como Jovelino Pérola Branca, uma referência ao nome da sambista Jovelina Pérola Negra, essa, sim, negra de verdade.

Expulsão acontece faltando quatro meses para a formatura 
O desligamento do estudante da UFRB acontece faltando apenas quatro meses para a realização da sua formatura, marcada para dezembro de 2021. De acordo com o pró-reitor de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (Propaae), Carlos Alberto de Paulo, a demora foi causada pelo amplo direito de defesa dado ao estudante antes da sua expulsão. 

“A gente tem garantido o direito do contraditório para que não se torne uma pratica punitiva, mas a expectativa é que os próximos processos sejam mais rápidos. Às vezes tratam-se de peças muito longas, mas estamos fazendo uma análise criteriosa e sabemos que não podemos procrastinar com isso”, explica.

Segundo o professor, o objetivo desses julgamentos não é perseguir ou estabelecer um tribunal racial, mas fazer cumprir o que determina a política de cotas. “Uma vez configurado o ato fraudulento, é preciso buscar um remédio. Se não, aquilo que foi uma conquista perde a sua eficácia, pois qualquer um poderá fraudar”, explica. No entanto, ainda não está claro se Jovelino poderá reaproveitar, em outra faculdade, as disciplinas cursadas. 

“É tudo muito novo e o racismo é antigo. Eu penso, essa é uma opinião bastante própria, é que você não perde aquele período cursado. Mas aí eu estou com dúvida. Essa é uma dúvida jurídica mesmo, pois se houve um processo de fraude e houve uma punição, qual é a legitimidade de você ter feito tudo aquilo? Realmente eu estou com dúvida e não arriscaria dar uma resposta”, diz Carlos Alberto. 

Também não está claro se algum outro estudante que perdeu a vaga para Jovelino será convocado a se matricular em Medicina. “Isso não está pacificado, pois não é um ato imediato. O que nós temos objetivamente é a identificação de uma fraude e precisamos dar uma resposta. Evidentemente que é uma vaga a mais que deveria ter sido ocupada pela pessoa que se enquadrava nos critérios”, diz. Uma aluna, que não quis ser identificada, entrou em contato com a reportagem e afirmou ter sido a preterida com a aprovação de Jovelino em medicina.

“Caso ele não tivesse fraudado, a vaga seria minha. Desde então, entrei em depressão, não consegui voltar a estudar, passei necessidade. Hoje vivo atolada de dívidas, não tenho dinheiro para pagar advogada. Tinha até deixado de lado esse caso para não sofrer com isso, mas com a repercussão da expulsão dele, reascendeu a esperança de justiça”, relata. 

O pró-reitor Carlos Alberto orientou que a jovem procure meios legais para tentar assumir a vaga. “Eu não sei se essa pessoa é exatamente da qual o estudante esteve ocupando a vaga. O ideal é que ela entre com algum processo administrativo. Direito não é dádiva. É luta permanente. Você é um cidadão, mas precisa lutar todos os dias para ser respeitado como tal”, afirma.

Para ativista, expulsão representa vitória da política de cotas
Antonio Bastos, que faz parte do movimento negro, comemora a expulsão de Jovelino. “É uma vitória das políticas de ações afirmativas do Brasil. Deve-se levar em consideração que essas pessoas não querem ser negras no dia a dia, vivendo os dramas que vivemos em um país eminentemente racista. Mas, quando é para se beneficiar, eles constroem esse discurso de que são afrodescendentes e querem fraudar as cotas”, diz. 

Já o pró-reitor Carlos Alberto lembrou que, em 2001, havia apenas 1% de pessoas autodeclaradas pretas dentro de algumas universidades brasileiras.

“O sistema de cotas veio para corrigir essa distorção. O que era comum e corriqueiro era que pessoas bem nascidas e brancas entrassem na universidade. Isso está mudando, apesar dos desafios”, relata. 

No caso de Jovelino, por exemplo, alguns colegas fizeram um abaixo-assinado virtual pedindo que a universidade mude sua decisão. Até às 19h dessa terça-feira (17), mais de mil pessoas já haviam assinado. “Barreto se autodeclarou pardo, pois é o que ele é. (…) Barreto não fraudou o sistema de cotas. O sistema de cotas fez seu papel e deu a oportunidade a um estudante que precisava”, escreveram. 

Antonio Bastos recebeu a situação com naturalidade. “É natural que os coleguinhas, que são tão brancos quanto ele, se movimentem em favor do seu par. Já sabíamos que ia ter essa reação. Alguns não entendem as cotas, acham que a universidade tá fazendo injustiça, mas tem outros que são complacentes com o ilícito e fazem a defesa dele inclusive por questões raciais. Eles não querem um negro fazendo medicina”, argumenta. 

O CORREIO tentou contato com Jovelino por telefone e e-mail, mas não obteve retorno até o fechamento do texto. A UFRB e o Ministério Público Federal (MPF) não se posicionaram oficialmente sobre o assunto. Fonte: Correio 24 horas

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