Em 2022, o vírus da poliomielite foi detectado no esgoto de diversas cidades, como Londres e Nova York — Foto: Getty Images/BBC
Quando iniciou sua carreira como microbiólogo, Warish Ahmed nunca imaginou que uma de suas principais tarefas seria peneirar litros e litros de esgoto bruto recolhidos dos dutos e bueiros do Estado de Queensland, na Austrália.
Ahmed é cientista pesquisador do Meio Ambiente da Organização de Pesquisas Científicas e Industriais da Comunidade Britânica de Nações (CSIRO, na sigla em inglês), na cidade australiana de Brisbane.
Trabalhar com esgoto talvez não seja o emprego favorito de todas as pessoas. Mas considero uma forma valiosa de aprender sobre a saúde da comunidade. É como encontrar ouro líquido.
A chamada vigilância de efluentes é usada há muito tempo como instrumento fundamental para rastrear um pequeno conjunto de patógenos mortais, como o vírus da poliomielite, a bactéria Vibrio cholerae (causadora da cólera) e a Salmonella typhi, a bactéria que causa a febre tifoide. Todos eles são transmitidos pela falta de boas práticas de saneamento.
Mas, nos últimos tempos, principalmente depois da pandemia de covid-19, as autoridades de saúde pública de todo o mundo começaram a perceber que estudar o material presente no esgoto pode ser útil para acompanhar uma variedade muito maior de doenças infecciosas, em tempo real.
O projeto conduzido por Ahmed e sua equipe, em colaboração com a Universidade de Queensland, examinou os níveis de diversos patógenos respiratórios, como influenza, Sars-CoV-2, que causa a covid-19, e vírus sincicial respiratório (VSR).
Todos esses micro-organismos são excretados pelo intestino dos indivíduos infectados e acabam no esgoto recolhido em todo o Estado australiano. O VSR é de interesse específico, devido à sua alta taxa de mortalidade entre os idosos, especialmente quando há condições cardíacas e pulmonares pré-existentes.
Não é apenas a presença de um patógeno específico que interessa os pesquisadores, mas a sua concentração.
“A concentração é altamente valiosa para acompanhar o aumento ou o declínio de doenças“, explica Ahmed. “Concentrações elevadas de uma partícula viral podem indicar aumento da carga viral na comunidade.”
Quando as informações são enviadas para as unidades de saúde pública da região, elas agem como importante mecanismo de alerta precoce de que a incidência de uma doença infecciosa específica está aumentando. E, agora, novas plataformas tecnológicas estão tornando a coleta de dados ainda mais eficiente.
O papel das redes de esgoto no monitoramento de surtos de doenças — Foto: Getty Images/BBC
Tradicionalmente, a vigilância dos efluentes envolve o trabalho desagradável e perigoso de coletar manualmente as amostras. Mas, em Queensland, cada encanamento agora é equipado com um dispositivo de coleta que recolhe amostras a cada hora, 24 horas por dia.
Essas amostras são diariamente combinadas para gerar uma mistura que pode ser analisada em instalações especiais com testes PCR — uma técnica molecular empregada para identificar fragmentos de material genético.
Nos Estados Unidos, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças agora mantêm um sistema nacional de vigilância de efluentes, que examina regularmente uma série de patógenos, como a mpox, usando tecnologia fornecida pela empresa Verily, de propriedade da Alphabet (controladora do Google).
Outras startups como a Biobot, criada por alunos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), procuram expandir a vigilância de efluentes para todo o mundo.
Sua plataforma pode não só detectar vírus respiratórios no esgoto, mas doenças alimentares, como norovírus, e os subprodutos metabolizados de drogas como cocaína, fentanil, metanfetamina e nicotina.
Um exemplo é o vírus do sarampo, que é um dos mais contagiosos do planeta. Existe atualmente um surto de sarampo no Reino Unido e a doença também vem crescendo nos Estados Unidos, com 23 casos entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024.
No passado, os cientistas detectaram com sucesso fragmentos do RNA do vírus do sarampo no esgoto.
Ainda não existem programas oficiais de vigilância utilizando esse método, mas se acredita que, no futuro, será possível fornecer alerta precoce da circulação do vírus.
Por: Por David Cox