Desde 2023, a Polícia Federal tem ido às ruas para reunir provas contra suspeitos de participação nos ataques às sedes do Congresso, da Presidência da República e do Supremo Tribunal Federal (STF), ocorridos em 8 de janeiro daquele ano.
Foram 26 operações desde então, divididas entre duas frentes: 25 fases da Lesa Pátria e 1 fase da Tempus Veritati (Hora da Verdade). A primeira a ser deflagrada foi a Lesa Pátria, que teve como alvo participantes dos ataques, financiadores deles e agentes públicos que não agiram para evitá-lo.
Já a Tempus Veritatis, deflagrada no início de 2024, investiga os participantes de uma tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder. Seus alvos são o próprio ex-presidente, além de ex-ministros, ex-assessores e militares.
Segundo a PF, havia interlocução entre lideranças de manifestações antidemocráticas e integrantes do governo do ex-presidente, inclusive com a participação de militares, para respaldar ataques às instituições — e havia a intenção de que manifestações fossem direcionadas fisicamente contra o STF e o Congresso
No último domingo (25), Bolsonaro — que é investigado na Tempus Veritatis — defendeu anistia aos presos pelo 8 de janeiro, alvos da Lesa Pátria.
Operação Lesa Pátria
General da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, Antônio Cláudio Alves Ferreira e Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza nos atos de 8 de janeiro de 2023. — Foto: g1
- Primeira operação: 20 de janeiro de 2023.
- Alvos: participantes, financiadores e organizadores dos ataques de 8 de janeiro, além de autoridades, por suposta omissão.
- Crimes investigados: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa, incitação ao crime, destruição, deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido, entre outros.
- Número de fases: 25.
Levantamento do g1 feito com base em dados da Polícia Federal mostra que nas 25 fases da Operação Lesa Pátria foram expedidos 396 mandados de busca e apreensão e 116 de prisão —número que inclui prisões preventivas e temporárias.
No entanto, os dados obtidos por meio de balanço divulgado pela própria PF e que cobre até a 23ª fase, quando somados os mandados das etapas 24 e 25, indicam ter havido 347 mandados de busca e apreensão e 100 de prisão.
O g1 pediu à Polícia Federal os dados atualizados das 25 fases da operação, mas não obteve resposta até a última atualização da reportagem.
📌 Os investigados
Na Lesa Pátria, foram autorizadas as prisões de mais de uma centena de pessoas por suposta participação nos atentados de 8 de janeiro de 2023. Um dos primeiros detidos foi o homem filmado por destruir o relógio do século 17 no Palácio do Planalto.
Também estão entre os alvos Fátima Mendonça Jacinto Souza, que ficou conhecida como Fátima de Tubarão, suspeita de pichar a estátua da Justiça com a frase “Perdeu, mané”, além de produtores rurais e empresários suspeitos de financiar os ataques e o acampamento de onde os golpistas partiram – como Joveci Xavier de Andrade e Adauto Lúcio de Mesquita, sócios da rede Melhor Atacadista, presos na quinta-feira (29).
A PF fez, ainda, buscas contra o general da reserva do Exército Ridauto Fernandes, que estava no ato e é apontado como um dos idealizadores do 8 de janeiro. Ele é um dos “kids pretos”, uma força especial do Exército do qual fazem parte outros investigados por envolvimento no ataque aos Três Poderes.
Foram alvos, ainda, autoridades suspeitas de agir – ou deixar de agir – para que a depredação acontecesse. Estão entre elas o coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, chefe do Departamento Operacional da Polícia Militar do DF à época dos ataques; e o major da PM Flávio Silvestre Alencar, suspeito de pedir para que os militares permitissem a invasão do Congresso Nacional.
De acordo com o STF, até o dia 29 de fevereiro, 101 pessoas foram condenadas por envolvimento nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. As penas vão de 3 a 17 anos. Os principais crimes que levaram às condenações são golpe de estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e associação armada.
O g1 questionou a Corte sobre quantos desses condenados foram alvos da operação Lesa Pátria, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Operação Tempus Veritatis
Braga Netto, Augusto Heleno, Valdemar Costa Neto, Paulo Sérgio Nogueira, Anderson Torres e Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira — Foto: g1
- Operação: 8 de fevereiro de 2024.
- Alvos: Jair Bolsonaro, ex-ministros, militares e aliados.
- Número de fases: 1.
A Operação Tempus Veritatis, por sua vez, tem como alvo Bolsonaro, ex-assessores e ex-ministros, além de militares suspeitos de tentar um golpe de Estado para manter o ex-presidente do poder.
São três crimes investigados: golpe de Estado, abolição violenta do estado democrático de direito e organização criminosa.
Para a PF, a partir do 2º turno da eleição de 2022, os investigados puseram em execução um plano para impedir a posse de Lula (PT), que havia vencido a disputa.
Segundo a investigação, os suspeitos tinham esperança de conseguir impedir a posse de Lula mesmo após o início do mandato do petista, “principalmente quando se desencadearam os atos golpistas do dia 8 de janeiro”.
Resultados da operação:
- Foram expedidos 33 mandados de busca e apreensão e quatro de prisão preventiva.
- O passaporte de Jair Bolsonaro foi apreendido e ele está proibido de falar com os investigados.
- Na sede do PL, foi encontrado na sala de Bolsonaro um documento que defende e anuncia a decretação de um estado de sítio e da garantia da lei e da ordem no país.
- O relatório da PF afirma que o grupo agia em seis núcleos para organizar uma tentativa de golpe de Estado.
- Nomes próximos ao ex-presidente, como o ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente derrotado em 2022, general Walter Braga Netto, e o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, também foram alvos de busca e apreensão.
- Heleno é suspeito de ser um dos mentores intelectuais da tentativa de golpe, da qual Braga Netto aderiu, segundo a investigação da Polícia Federal.
- O ex-assessor especial de Bolsonaro Filipe Martins, que, segundo a PF, foi quem entregou a minuta do golpe a Bolsonaro, e mais dois militares foram presos. Martins também é investigado por fazer um gesto racista —comum a supremacistas brancos— durante audiência com o ex-ministro Ernesto Araújo, em 2021.
- A operação mirou ainda o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, com quem já havia sido encontrada uma minuta do golpe, e o ex-assessor de Bolsonaro Tércio Arnaud, apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”. Eles são acusados de integrar um núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral.
- Outro alvo foi um padre católico conservador de Osasco (SP) que, segundo a PF, assessorava na elaboração de minutas de decretos golpistas.
Conversa interceptada
Em manifestação ao STF – obtida pelo blog da Andréia Sadi –, a PF destaca um áudio de 11 de novembro de 2022 de Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Nesse áudio, Cid conta ao comandante do Exército que, após uma nota das Forças Armadas sobre as manifestações, os “movimentos populares” com quem estava em contato estavam se sentindo seguros para “dar um passo à frente” e “canalizar todos os movimentos previstos [inaudível] o dia 15 como ápice, a partir de agora, lá para o Congresso, STF, praça dos Três Poderes, basicamente.”
Tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL), durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), em Brasília, nesta quinta-feira, 24. — Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
A investigação aponta que o major Rafael Martins de Oliveira, um dos investigados atuou diretamente na tentativa de golpe de Estado, direcionando os manifestantes para alvos de interesse dos investigados, como STF e Congresso Nacional, além de realizar coordenação financeira e operacional para dar suporte aos atos antidemocráticos.
Além disso, a investigação afirma que o major, que tem formação em operações especiais, arregimentou e utilizou integrantes de Forças Especiais do Exército especializados em atuação em ambientes hostis para subverter o Estado Democrático de Direito.
No dia dos ataques, ao receber imagens das manifestações, Cid comentou com a esposa que, se o Exército Brasileiro saísse dos quarteis, seria “para aderir” ao golpe de Estado.
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Todas as operações
Veja a linha do tempo dessas operações e como a Polícia Federal e o STF foram preenchendo o quebra-cabeça dos atos golpistas, operação após operação:
🚨 20 de janeiro de 2023 – Lesa Pátria 1: Cumpridos oito mandados de prisão preventiva e 16 de busca e apreensão. Os alvos foram os financiadores e organizadores dos atos de 8 de janeiro. Entre os presos, golpistas que divulgaram vídeos nas redes sociais convocando os atos contra a democracia.
🚨 23 de janeiro de 2023 – Lesa Pátria 2: O homem filmado ao derrubar e destruir o relógio do século 17 feito pelo francês Balthazar Martinot, no Palácio do Planalto, foi preso em Uberlândia (MG).
Globo
🚨 27 de janeiro de 2023 – Lesa Pátria 3: Policiais federais cumpriram mandados de busca e apreensão em endereços de Léo Índio, sobrinho do ex-presidente Jair Bolsonaro, que participou dos atos de 8 de janeiro. Em Santa Catarina, foi presa Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza, que ficou conhecida como Fátima de Tubarão.
🚨 3 de fevereiro de 2023 – Lesa Pátria 4: Em Brasília, os mandados de busca e apreensão foram contra um policial legislativo do Senado – suspeito de facilitar, no local, a ação dos golpistas – e uma advogada que teria recolhido celulares dos terroristas detidos em Brasília. Outras pessoas envolvidas nos ataques de 8 de janeiro foram presas na mesma data.
🚨 7 de fevereiro de 2023 – Lesa Pátria 5: Nesta fase, os alvos foram o ex-chefe do Departamento Operacional da PM e militares que teriam liberado acesso ao STF.
🚨 14 de fevereiro de 2023 – Lesa Pátria 6: Cumpriu 8 mandados de prisão e outros 13 de busca e apreensão contra envolvidos nos atos golpistas.
🚨 7 de marços de 2023 – Lesa Pátria 7: Nesta fase, foram expedidos três mandados de prisão e oito mandados de busca e apreensão para Minas Gerais e Paraná.
🚨 17 de março de 2023 – Lesa Pátria 8: PF cumpriu 46 mandados de busca e apreensão e 32 mandados de prisão em diversos estados. Entre os presos, estavam a mulher suspeita de pichar a estátua da Justiça durante os atos golpistas.
🚨 23 de março de 2023 – Lesa Pátria 9: A Polícia Federal cumpriu mandado de prisão contra um homem suspeito de incitar atos antidemocráticos e administrar dinheiro usado para financiar as ações golpistas.
🚨 18 de abril de 2023 – Lesa Pátria 10: Foram emitidos 16 mandados de prisão contra participantes dos atos golpistas.
🚨 11 de maio de 2023 – Lesa Pátria 11: Foram 22 mandados de busca e apreensão, incluindo empresários, produtores rurais e Cacs apontados como financiadores dos atos golpistas. A PF apreendeu arsenal e dinheiro em espécie com suspeitos.
🚨 23 de maio de 2023 – Lesa Pátria 12: Foram cumpridos mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão preventiva contra o major da Polícia Militar Flávio Silvestre Alencar, do Distrito Federal, suspeito de participar de um plano para permitir a invasão do Congresso.
🚨 27 de junho de 2023 – Lesa Pátria 13: Foi cumprido mandado de busca e apreensão contra o empresário Milton de Oliveira Júnior, suspeito de financiar os atos. Em um programa local de rádio, Milton de Oliveira Júnior afirmou que ajudou “patriotas” a irem a Brasília “protestar” contra o governo Lula, disse ter contribuído com recursos em dinheiro e confirmou que tem os comprovantes das transações via PIX.
🚨 17 de agosto de 2023 – Lesa Pátria 14: A PF prendeu 8 suspeitos de convocar os ataques. Os alvos desta fase são suspeitos de “fomentar” a chamada “Festa da Selma”, que segundo a Polícia Federal era o codinome usado para organizar caravanas que iriam a Brasília para os atos antidemocráticos.
🚨 29 de agosto de 2023 – Lesa Pátria 15: Nesta data, a PF faz buscas contra o deputado estadual de Goiás Amauri Ribeiro, suspeito de envolvimento nos atos golpistas. Meses antes, o parlamentar admitiu ter feito doações para os acampamentos antidemocráticos que foram montados em frente a quartéis de Brasília.
🚨 5 de setembro de 2023 – Lesa Pátria 16: Foram cumpridos 53 mandados de busca e apreensão em diversos estados. A Justiça também autorizou o bloqueio de bens dos alvos suspeitos de financiar os atos.
🚨 27 de setembro de 2023 – Lesa Pátria 17: Três mandados de prisão foram cumpridos contra participantes dos atos golpistas, incluindo Aildo Francisco Lima, investigado por live em redes sociais sentado na poltrona depredada do ministro Alexandre de Moraes.
🚨 29 de setembro de 2023 – Lesa Pátria 18: O principal alvo desta etapa foi o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes. Investigado como executor e possivelmente um dos idealizadores dos atos golpistas, ele teve passaporte, celular e arma aprendidos.
🚨 25 de setembro de 2023 – Lesa Pátria 19: Um dos alvos de busca e apreensão foi Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio, primo dos filhos mais velhos do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ao todo, foram cinco mandados de prisão e 13 de busca e apreensão em três estados e no Distrito Federal.
🚨 21 de novembro de 2023 – Lesa Pátria 20: Foram cumpridos mandados de busca e apreensão em endereços ligados à advogada paraibana Edith Christina Medeiros Freire, que foi presa pela Polícia Federal nos atos golpistas de 8 de janeiro.
🚨 28 de novembro de 2023 – Lesa Pátria 21: Foram sete mandados de busca e apreensão. Entre os alvos, estavam criadores e administradores de grupos para incitar os ataques.
🚨 30 de novembro de 2023 – Lesa Pátria 22: Foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão com bloqueio de bens.
🚨8 de janeiro de 2024 – Lesa Pátria 23: No aniversário de um ano dos atos golpistas, foram cumpridos 46 mandados de busca e apreensão; um suspeito foi preso por financiar ônibus de manifestantes.
🚨18 de janeiro de 2024 – Lesa Pátria 24: O deputado federal Carlos Jordy (PL) foi o principal alvo de buscas desta fase da operação. Segundo o inquérito, Jordy trocou mensagens com um grupo de golpistas no Rio de Janeiro e passou orientações sobre os atos antidemocráticos.
🚨 8 de fevereiro de 2024 – Operação Tempus Veritatis: A primeira operação Tempus Veritatis mirou o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros e ex-assessores. Foram 33 mandados de busca e apreensão e quatro de prisão. Foram presos Filipe Martins, Marcelo Câmara, major Rafael Martins e o coronel Bernado Romão Corrêa Netto.
Preso por cerca de quatro meses e com a PF batendo à porta de sua família, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid decidiu fazer um acordo de delação premiada, que foi homologado por Moraes em 9 de setembro de 2023.
Nesse acordo, Cid deu detalhes sobre o envolvimento de Bolsonaro com a venda de joias, com as fraudes nos cartões de vacinação e, também, com as articulações para a tentativa de golpe de Estado após a derrota eleitoral para Lula.
🚨 29 de fevereiro de 2024 – Lesa Pátria 25: Dois empresários do Distrito Federal foram presos nesta fase da operação, que cumpriu 34 mandados judiciais, sendo 24 de busca e apreensão, três de prisão e sete de monitoramento eletrônico. Os alvos são Joveci Xavier de Andrade e Adauto Lúcio de Mesquita. Ambos são sócios da rede Melhor Atacadista e suspeitos de financiar o acampamento bolsonarista em Brasília.