A inauguração da base científica brasileira na Antártida, prevista para esta terça-feira (14), foi adiada para quarta (15) em razão das condições meteorológicas que não permitiram o pouso de aviões com autoridades convidadas. Desde domingo, aeronaves da FAB tentam pousar na base chilena Frei, o aeroporto mais próximo da base brasileira, a três horas de navio, mas não conseguem concluir as operações por falta de teto.
A região tem condições climáticas bem instáveis, com falta de visibilidade e ventos fortes, o que impede o pouso. O vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, entre outros convidados estão desde segunda (13) em Punta Arenas esperando uma janela. Segundo informações da Marinha do Brasil, há previsão de que nesta quarta (15) haja uma abertura no tempo e que o pouso seja possível.
Após a inauguração, a estação só estará funcionando plenamente nos próximos três meses, quando terminará a fase de testes. Vários ajustes, como a temperatura dos laboratórios, estão sendo feitos. A internet também não funciona a contento. No último domingo (12), quando começaram a chegar convidados, incluindo 17 jornalistas, a rede passou a apresentar falhas de conexão. Segundo o pessoal de apoio, a demanda chegou a ser quatro vezes maior do que a capacidade da rede.
Por enquanto, a rotina da base acontece nos módulos emergenciais montados após o incêndio. Cozinha, refeitório, enfermaria e demais instalações ainda funcionam ali. O local abriga 62 pessoas. “Estamos testando tudo. Assim que terminar a inauguração, vamos seguir com o treinamento do grupo base [que vai administrar a estação] para operar a estação. Por enquanto, está nas mãos dos nossos engenheiros da Marinha e dos cerca de 70 chineses [da empresa que executou a obra]. Em março, eles vão embora e fica por nossa conta. Tudo o que é novo pode dar algum probleminha”, diz o fiscal de reserva da Marinha, Geraldo Juaçaba Filho, gerente de fiscalização da obra.
O capitão de corveta da Marinha e subchefe da estação, Rafael Santana da Rocha, afirma que essa fase inicial de ajustes já estava prevista em contrato. “A estação está em fase de comissionamento. A qualificação do grupo continua até o final do verão”, diz. Isso significa que as pessoas que vão tocar a base, que tem bem mais recursos tecnológicos que a anterior, ainda estão em treinamento.
Segundo Rocha, mais de 90% dos sistemas estão prontos para serem utilizados. “A gente migra para lá dia 14, mas precisamos entender a estação como um organismo vivo. A gente precisa operar para entender o sistema e nos qualificar como grupo base [que vai gerenciar o local].”
LABORATÓRIOS DE PESQUISA
A Folha de S.Paulo visitou nesta segunda as novas instalações da base. Os militares da Marinha trabalhavam nos últimos testes elétricos e hidráulicos da estação. Cerca de 90% dos laboratórios já estão montados.
Os 10% restantes dependem de equipamentos já comprados e que estão em Punta Arenas (Chile) esperando o transporte na próxima saída do navio Almirante Maximiano para a Antártida, segundo Andrea Cancela, coordenadora de Mar e Antártica do MCTIC (Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações). Isso deve ocorrer ainda neste mês.
Um dos laboratórios já prontos tem um equipamento que transforma as amostras sólidas coletadas na Antártida, como gelo ou solo, em pó estabilizado. “Você chega no Brasil e reidrata”, explica o biólogo Paulo Câmara, da UnB (Universidade de Brasília), pesquisador que ajudou na montagem dos laboratórios.
Segundo ele, até então o transporte de amostras vivas, como bactérias e fungos, era muito complicado. “Ou se fazia como exigem as normas internacionais, com gelo seco em caixas especiais, o que era caro e inviabilizava o envio, ou se arriscava levando no bolso, correndo o risco de ser parado na Alfândega e ter a amostra apreendida, ou a gente desistia.”
Em outro laboratório, o microbiologista Luiz Rosa, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, mostrava o primeiro experimento feito na estação nova, com várias lâminas com fungos coletados do ar da Antártida.
“São penicílios, produtores de penicilina. Eles dominam aqui na Antártida. Existem várias colônias, linhagens selvagens, espécies novas que podem produzir novas penicilinas. As bactérias vêm demonstrando resistência aos antibacterianos atuais, então é muito importante estudar e buscar novos antibióticos.”
Para os pesquisadores o momento é de festa mas também de apreensão por causa de cortes de bolsas de estudos oferecidas pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao MEC, que atingiram pós-graduandos que desenvolvem estudos na região.
Até outubro do ano passado, a Capes havia cortado em todo o país pelo menos 7.590 bolsas de pesquisas. Não há informação de quantas dessas bolsas são de alunos que estudam a Antártida em universidades brasileiras. O Proantar (Programa Antártico Brasileiro) teve em 2018 o edital com maior valor da sua história, R$ 18 milhões. Segundo a assessoria de imprensa do ministério, R$ 9 milhões já foram quitados e em agosto de 2020 está previsto o pagamento da terceira e última parcela, de R$ 3 milhões.
CENTRAL FAZ CONTROLE E PREVENÇÃO DE INCÊNDIOS NA BASE
A base brasileira conta com uma central inteligente que controla as quatro zonas da estação, cada uma com seus próprios sistemas de alarmes contra incêndio. O fogo de 2012 matou dois militares, o suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e o primeiro-sargento Roberto Lopes dos Santos.
Em todas as unidades também foram instalados sensores de fumaça e portas corta-fogo e. Nas salas de máquinas e geradores, as paredes são feitas de material que suporta chamas por até duas horas. Segundo o capitão tenente da Marinha e engenheiro de automação, Renato Pinha, uma das novidades da nova estação foi integrar esses sistemas anti-incêndio a outros equipamentos da estação.
“A primeira coisa a ser feita é o corte da ventilação, evitando que mais oxigênio entre no compartimento e o fogo ganhe volume”, diz.O projeto de engenharia também foi desenvolvido para reduzir os impactos ambientais. Cerca de um terço da energia consumida vem de fontes renováveis produzida por placas solares e por uma miniusina eólica instalada no local.
*Bahia Notícias.