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Entre Brasil e África, cientista cria sensor para Covid-19

Lá estava eu, deitado, com o celular equilibrado no umbigo, concentrado na respiração. Várias missões reunidas na aparente posição de ciberioga: contribuir para o avanço da ciência nacional, atuar como voluntário contra a pandemia e, egoisticamente, encontrar assunto para a estreia nesta coluna.

Explico melhor: baixei o aplicativo Contran Covid que usa sensores dos smartphones para analisar nossos padrões respiratórios identificando possíveis sintomas da Covid-19. É gratuito. Poderia auxiliar o combate médico em situação na qual testagens e rastreamentos são processos caros e precários.

O ContraCovid foi desenvolvido pelo engenheiro Igor Miranda e sua equipe na Universidade Federal do Recôncavo Baiano. É parte de projeto de cooperação internacional entre cientistas do Brasil e da África do Sul. Campus da UFRB em Cruz das Almas-BA. – Divulgação Nos anos 2018/19, Igor Miranda fez pós-doutorado na Universidade de Stellenbosch, perto da Cidade do Cabo (África do Sul ).

Lá trabalhou com Thomas Niesler, que há anos utiliza sensores digitais para estudar as variações nas tosses de pessoas que podem ter diagnóstico de tuberculose. A originalidade do aplicativo baiano foi transferir esse aprendizado para o campo da síndrome respiratória aguda grave, com desenvolvimento rápido para ser usado no pico da pandemia. Não é comum esse tipo de colaboração Brasil-África, sobretudo nas ciências exatas. Posso ser muito ignorante, mas foi a primeira vez que ouvi falar de pós-doutorado em engenharia feito em universidade africana.

Nossa globalização acadêmica é muito centralizada. Quase todas as pós-graduações internacionais são feitas nos EUA ou na Europa, como se o “resto do mundo” não existisse. Igor Miranda enfrentou muita dificuldade de pioneiro até chegar a Stellenbosch. Seu objetivo inicial, por já dominar a língua iorubá, era ir para uma universidade nigeriana. Não encontrou apoios para sua mudança, ainda mais com mulher e filha recém-nascida.

Quando apareceu a oportunidade sul-africana, ficou apreensivo. Afinal, a Universidade de Stellenbosch é conhecida por ser “alma mater” de vários líderes do regime do apartheid. Atrações na África do Sul relembram centenário de Mandela.

Mas hoje há incentivo para ensino em inglês e xhosa, e os cursos atraem estudantes de todo o continente. Chance boa para estabelecer contatos com cientistas de vários países, inclusive participando do encontro da Deep Learning Indaba, organização central para o fortalecimento das pesquisas de inteligência artificial na África.

Nesses ambientes, seu tipo físico afro-brasileiro era confundido com nigeriano. Claro, tudo fortalecido por seu iorubá fluente. Na adolescência, Igor Miranda ficou interessado simultaneamente por computadores e pelo candomblé. Hoje vê conexão entre os dois universos, até pelo uso da linguagem binária no jogo de Ifá. Porém, naquela época eram explorações intelectuais/espirituais bem individuais. Havia alguma tradição de candomblé na família, mas isso não foi determinante. A geração de seus avós era formada principalmente por mestres de obras, que incentivaram os filhos a entrar para universidades. Seu pai é engenheiro civil, sua mãe é matemática.

Teve espaço para ir encontrando seu próprio caminho e continuar a saga familiar de contrariar os algoritmos seculares da desigualdade brasileira. Logo apareceu consciência de que precisava lutar também para a formação de mais estudantes e cientistas negra(o)s. Ainda na graduação já dava aulas de matemática no projeto Oguntec do Instituto Steve Biko. E hoje é um dos fundadores do Instituto Mancala, contribuindo para descentralizar a produção científica e tecnológica brasileira, apoiando pesquisadore(a)s negro(a)s e indígenas.

Seu objetivo é produzir sensores melhores e mais baratos, também descentralizando e democratizando sua produção para tornar possíveis disseminação e controle sociais. No seu doutorado, o foco foi em sensores capazes de captar disparos de armas de fogo. Atualmente há um custo de cerca de US$ 10 mil por km² para implantar esse tipo de vigilância, inacessível para as comunidades que mais precisam, que não podem controlar quem as monitora. Fico alegre em pensar que esse desenvolvimento acontece no Recôncavo Baiano, onde Igor Miranda optou por lecionar. Tudo apontando o rumo que o Brasil precisa seguir para ter presença marcante no futuro do mundo.

Leia aqui: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/hermano-vianna/2020/09/entre-brasil-e-africa-cientista-cria-sensor-para-covid-19.shtml?utm_source=mail&utm_medium=social&utm_campaign=comphomemail

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